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MP vê fraude em edital e quer demolir casa do presidente da Câmara Legislativa do DF

MP vê fraude em edital e quer demolir casa do presidente da Câmara Legislativa do DF O Ministério Público do Distrito Federal recomendou a demolição imedi...

MP vê fraude em edital e quer demolir casa do presidente da Câmara Legislativa do DF
MP vê fraude em edital e quer demolir casa do presidente da Câmara Legislativa do DF (Foto: Reprodução)

MP vê fraude em edital e quer demolir casa do presidente da Câmara Legislativa do DF O Ministério Público do Distrito Federal recomendou a demolição imediata de todas as construções de uma mansão localizada na Quadra 27, no Park Way. A área é ocupada desde os anos 1990 pelo atual presidente da Câmara Legislativa do DF, Wellington Luiz (MDB), e pela esposa dele, Kilze Beatriz Montes Silva. Segundo a promotoria: o terreno pertence à Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb); a ocupação por particulares é ilegal; a construção não tem licenciamento; o imóvel não pode ser regularizado. O MP diz ainda que a tentativa recente de licitação do imóvel foi uma manobra para burlar decisões judiciais e beneficiar diretamente o casal. O que você achou do novo formato de vídeo que abre esta reportagem? ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 DF no WhatsApp. O presidente da CLDF, deputado Wellington Luiz (MDB) Divulgação/Wellington Luiz A recomendação foi enviada à Secretaria DF Legal – que pode executar a demolição sem precisar de aval da Justiça. O MP também orientou a Terracap (órgão do governo do DF que cuida de licitações de imóveis) a suspender o edital. E disse para a Caesb reaver a posse da área, cancelando qualquer tentativa de cessão ou alienação. A Terracap suspendeu oficialmente a licitação em 20 de agosto e intimou Kilze Beatriz para se manifestar. A Caesb e o DF Legal pediram mais prazo para responder. “A principal ilegalidade do edital consiste no desvio de finalidade do ato administrativo, pois a concessão de uso foi um ‘arranjo jurídico’ proposto pela Caesb para regularizar a ocupação ilegal do deputado Wellington Luiz”, afirmou ao g1 Laís Cerqueira, promotora de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística. Vista aérea da casa de Wellington Luiz, no Park Way. Ao fundo, o reservatório da Caesb, proprietária de todo o terreno que aparece na imagem. Arquivo pessoal Em notas enviadas ao g1: a Caesb disse que "acompanha regularmente todas as ações, ainda em curso" e que prestou esclarecimentos ao Ministério Público do DF; o DF Legal afirmou que chegou a multar Wellington Luiz, mas, em respeito ao processo em andamento na Justiça, não marcou data para cumprir a ordem de demolição; a Terracap afirmou que atua na venda e na concessão dos imóveis de vários órgãos do DF, que licitou "dezenas de lotes" da Caesb só em 2025 e que o critério para essas vendas é "exclusivo da Caesb". Ainda segundo a Terracap, "não há vedação para que servidores e/ou diretores participem da concorrência para aquisição desses imóveis". O g1 entrou em contato com Wellington Luiz na última semana, mas não obteve retorno. Wellington Luiz e a esposa, Kilze, em imagem de arquivo Arquivo pessoal/Instagram/Reprodução Linha do tempo 1996: Início da ocupação Wellington Luiz e Kilze Beatriz passam a ocupar irregularmente uma área pertencente à CAESB, no Park Way. A ocupação ocorre sem autorização formal e permanece por décadas. 2017: Primeira notificação e ação judicial Por mais de 20 anos, o deputado distrital e a esposa viveram no local sem serem questionados. Mas em outubro de 2017, a CAESB notificou extrajudicialmente o casal para desocupação da área, com prazo de 30 dias. Em novembro do mesmo ano, o casal ajuíza ação de usucapião extraordinária , tentando obter a posse definitiva da área por meio judicial. 2019: Derrota na 1ª instância Em junho de 2019, a Justiça do DF julgou improcedente a ação de usucapião. O juiz entendeu que não é possível transferir a área com esse argumento, porque o lote é um bem público. 2022: Confirmação da derrota em 2ª instância O Tribunal de Justiça do DF negou provimento à apelação do casal. A decisão confirma a sentença de 2019 e reforça que a área não pode ser adquirida por usucapião. Em 2025, houve uma série de "avanços" no caso. Confira: 4 de fevereiro: O Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirma a impossibilidade de usucapião. A decisão é definitiva e reconhece que bens de sociedade de economia mista com destinação pública não podem ser usucapidos. 7 de março: Kilze Beatriz é nomeada diretora da BIOTIC S.A., estatal controlada pela Terracap. A nomeação é vista como movimento estratégico para tentar reabrir o caso pela via administrativa. 2 de junho: Terracap publica o Edital nº 08/2025, incluindo a área ocupada pelo casal como “sem destinação específica” e disponível para licitação. A descrição contradiz decisões judiciais e documentos oficiais. Na página 5 do edital 08/2025 da Terracap, o primeiro item é o terreno da Caesb onde o deputado Wellington Luiz construiu a casa Reprodução 18 de junho: Data prevista para realização da licitação. Kilze Beatriz figura como vencedora do certame, apesar de estar legalmente impedida por ocupar cargo de direção em estatal ligada à Terracap. 12 de agosto: O MP do DF publica a uma recomendação apontando falsidade na descrição do edital e defendendo a anulação dos atos administrativos. 20 de agosto: Terracap publica comunicado suspendendo a licitação do imóvel constante do Item 1 do Edital nº 08/2025. Leia abaixo mais detalhes sobre o histórico do imóvel. Mansão privilegiada A casa – construída por Wellington Luiz há quase 30 anos em parte de um terreno originalmente pertencente à Caesb – se destaca pela imponência e pela estrutura voltada ao conforto máximo. Do alto, é possível ver piscina, campo de futebol gramado, jardins extensos com palmeiras e outras árvores frutíferas. A estrutura inclui áreas de convivência, caminhos internos e uma vegetação abundante que cerca o imóvel. Veja o que tem na mansão: uma casa de 585 metros quadrados quatro suítes (sendo uma master) cozinha com sala de jantar espaço gourmet com churrasqueira lavanderia com quarto de serviço piscina de 14 metros de largura sauna quarto para hóspede com sala de cinema orquidário campo de futebol de 2 mil metros quadrados estacionamento para 30 carros Casa de Wellington Luiz tem piscina, campo de futebol, vagas para dezenas de carros e outras comodidades. Arquivo pessoal Sem vizinhos, a única construção nas redondezas é a estação de tratamento da Caesb, verdadeira dona de todo o lote. O terreno onde está a mansão tem uma matrícula oficial que registra 21 mil metros quadrados. Mas nem toda essa área foi colocada em concessão pela Caesb. Apenas 8.358 m² foram licitados pela Terracap para uso temporário. Segundo o Ministério Público, a ocupação feita por Wellington Luiz ultrapassa essa área licitada: ele ocupa cerca de 8 mil m² dentro do lote da Caesb, onde ficam reservatórios de água do sistema Catetinho, e ainda invade outros 1.600 m² de área pública ao lado, que não fazem parte da matrícula nem da licitação. Ou seja, a área usada irregularmente soma aproximadamente 9.600 m², o que inclui tanto parte do terreno público da Caesb quanto uma área pública vizinha que também foi cercada e construída. A destinação original do lote é voltada ao saneamento básico e, além das ilegalidades urbanísticas, a ocupação causa impacto ambiental relevante. A área está na Zona Tampão da APA Gama e Cabeça de Veado, onde a lei proíbe invasões e exige preservação dos ecossistemas. Sequência de irregularidades O edital publicado pela Terracap afirmava erroneamente que o terreno não tinha destinação específica. A informação contraria a Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS), que classifica o lote como equipamento público institucional. Segundo o Ministério Público, o imóvel foi doado pela Terracap ao Distrito Federal, sendo posteriormente transferido à Caesb . A área está vinculada a serviço público essencial de saneamento básico, o que reforça sua natureza institucional e impede sua alienação (venda) sem autorização legal. Além disso, o edital previa a proibição de uso residencial para os imóveis concedidos, com cláusula de rescisão unilateral em caso de descumprimento. Em 24 de junho, Kilze Beatriz foi declarada vencedora da licitação. Tecnologia vira aliada do DF Legal no monitoramento de novas invasões A promotoria apontou fraude administrativa e conflito de interesse, já que o Código de Conduta da Terracap proíbe a participação de dirigentes em licitações da empresa controladora. “O conjunto de fatos indica que a decisão da Caesb de colocar em licitação parte do imóvel ocupado ilicitamente por agente político não foi motivada pelo interesse público, mas sim com o claro intuito de contornar as decisões do Poder Judiciário”, diz trecho da recomendação assinada pelos promotores do MP do DF. Em 20 de agosto, a Terracap suspendeu o processo de licitação do imóvel. E concedeu prazo de 30 dias para que Kilze Beatriz se manifestasse sobre os fatos narrados na recomendação. A tentativa do usucapião Vista aérea do reservatório da Caesb, no Park Way. Arquivo pessoal Em 2016, a Caesb já tinha notificado a família do deputado Wellington Luiz para desocupar o imóvel construído em área institucional no Park Way. No ano seguinte, ele e sua esposa, Kilze Beatriz, ajuizaram uma ação de usucapião, alegando posse mansa e pacífica da área. A defesa sustentava que o imóvel havia sido ocupado há décadas e que a posse seria legítima. A Justiça rejeitou o pedido em todas as instâncias. Em fevereiro de 2025, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou que o terreno pertence à Caesb, sociedade de economia mista, e está afetado à prestação de serviço público essencial — o abastecimento de água. Por isso, o imóvel é considerado bem público por destinação e não pode ser enquadrado nas regras do usucapião. A Corte reconheceu que a ocupação é irregular e ilícita, e que a Caesb tem direito à reintegração da posse, inclusive por via administrativa. “A fração do terreno ocupado pelos autores é estratégica para a expansão do sistema de abastecimento público de água do Distrito Federal”, diz trecho do acórdão do STJ. Durante o processo, o casal tentou negociar com a Caesb, propondo permuta, compra direta ou ressarcimento por benfeitorias. A companhia recusou formalmente, alegando que o imóvel é estratégico para o sistema hídrico, possui restrições ambientais severas e está localizado em área de proteção — o que impede qualquer tipo de transferência ou regularização. As tentativas de desocupar a área Ordem de demolição A primeira medida formal contra a ocupação irregular foi tomada em julho de 2021, quando o DF Legal emitiu um Auto de Intimação Demolitória. O documento dava prazo de 30 dias para que Wellington Luiz removesse as construções erguidas no lote da Caesb e na área pública ao lado. A ordem não foi cumprida. Multa de R$ 66 mil Dois anos depois, em agosto de 2023, o DF Legal aplicou uma multa de R$ 66.209,60 por descumprimento da intimação. O Ministério Público, no entanto, considera que essa penalidade isolada é insuficiente diante da gravidade da infração. Novas multas e relatórios O MP recomendou que o DF Legal intensifique a fiscalização, com visitas mensais ao local e aplicação de novas multas de forma cumulativa. A cada reincidência, o valor deve ser dobrado em relação à multa anterior, conforme previsto no artigo 128 da Lei nº 6.138/2018 (Código de Obras e Edificações do DF). ➡️Essa estratégia tem como objetivo pressionar o infrator a desocupar a área, já que a ocupação contraria normas urbanísticas, ambientais e representa uso indevido de bem público. Além disso, o MP exige que o DF Legal envie relatórios mensais com o andamento das fiscalizações e medidas adotadas, até que a área esteja completamente desobstruída. A recomendação reforça que a manutenção da residência no local representa não apenas uma infração administrativa, mas também pode configurar ato de improbidade, por permitir o uso privado de bem público sem respaldo legal. Leia mais notícias sobre a região no g1 DF.